Empregadas domésticas gestantes: Direitos trabalhistas
RESUMO:
A apresentação deste trabalho é um recorte da dissertação de mestrado em Psicologia sobre empregadas domésticas gestantes, que teve como objetivo discutir os sentidos que mulheres empregadas domésticas atribuem à maternidade, durante a vivência do processo gestacional. A entrevista com cinco empregadas domésticas de dois municípios da região sul do país, utilizando-se do aporte teórico da abordagem histórico cultural de Vygotsky possibilitou identificar as continuidades e permanências quanto às questões de gênero, nas relações com seus companheiros e, intragênero, ou seja, com outras mulheres do seu meio e com as patroas. Essas relações são permeadas pôr questões de classe social, gênero e etnia que se fazem presentes nas concepções historicamente construídas pelas relações sociais.O que se pôde perceber é que essas mulheres confirmam os dados brasileiros: a presença de reduzido número de contratos formais de trabalho vulnerabiliza essas mulheres quanto aos seus direitos trabalhistas. A falta de consciência de seus direitos e, sobretudo, o medo das conseqüências de sua reivindicação, como a perda do emprego, torna essas mulheres vulneráveis à exploração social. O emprego doméstico ocupa um grande contingente de mulheres oriundas das camadas populares que substituem as das camadas médias na lida diária que ainda não é dividida com os homens. A realidade dessas mulheres do Sul do Brasil demonstra que os sentidos atribuídos às relações de gênero, as relações trabalhistas e sua concepção de cidadania são construídos de forma singular, havendo relações com o contexto sócio-histórico em que estão inseridas.
Introdução:
No Brasil, o trabalho doméstico teve avanços entre as ocupações femininas na década de 1990, devido ao declínio de oferta de emprego nas fábricas e comércio. De acordo com dados do IBGE (2002), o serviço doméstico que, em 1992, ocupava o quinto lugar entre as principais ocupações das mulheres, em 2001 tornou-se o segundo tipo de trabalho por elas exercido. Em 1992, havia 3,6 milhões de mulheres empregadas em serviço doméstico. Em 2001, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) identificou 5,3 milhões na mesma situação. Ou seja, houve um aumento de 47%, sendo que, deste contingente de trabalhadoras, somente 25,88% possui contrato formal de trabalho. Neste caso, houve um aumento em relação a 1992, cujo índice era de 18,17%, porém ainda insignificante ao se considerar o total de mulheres nesta ocupação.
Segundo José Carlos Ferreira (2003), diretor-adjunto da OIT (Organização Internacional do Trabalho)[1], dois fatores são determinantes para o aumento nos índices do emprego doméstico: o aumento nas taxas de desemprego e uma tradição escravocrata da sociedade brasileira, que foi o último país a declarar a abolição, refletindo-se hoje em 21% da população economicamente ativa e 80% das mulheres ativas economicamente, taxa superior se comparada com outros países da América Latina. Outro fator que reforça este argumento colocado por Ferreira é que 55,3% das empregadas domésticas no Brasil são negras, sendo que, destas, 76,5% não possui contrato formal de trabalho.
O fato de o emprego doméstico ser a atividade que engloba o maior número de mulheres de camadas sociais desfavorecidas justifica pesquisas que ouçam essas mulheres, pois há, nas relações de trabalho, uma grande disparidade entre os direitos legais e os direitos adquiridos na realidade. Considerando que a licença maternidade de 120 dias, é hoje um direito conquistado também pelas empregadas domésticas, como fica a situação das mulheres nesta ocupação quando ficam grávidas? Há espaço para a realização do acompanhamento pré-natal, dos cuidados e preparativos para a chegada do bebê? Há, na relação com a patroa, compreensão e facilitação para viver com qualidade este momento? Como as empregadas domésticas manejam o direito adquirido da licença maternidade por ocasião da gestação, quando são registradas ou não?
Essas questões fazer parte da dissertação de mestrado defendida em fevereiro de 2005, com o título: “Empregadas domésticas gestantes: os sentidos[2] da maternidade”, para este artigo serão apresentados parte da referida dissertação, considerando as informações e análises dessas, considerando as questões trabalhistas vivenciadas pelas cinco empregadas domésticas gestantes entrevistadas, sendo que as informações, ou seja, a análise dos conteúdos dos discursos dessas mulheres foram analisadas com base na matriz teórica de Vygotsky, considerando as discussões sobre relações de gênero[3], que compreende o sujeito como histórico-cultural.
A primeira tentativa de criar uma legislação sobre o emprego doméstico no Brasil ocorreu em 1923, através de um decreto que definia a natureza do trabalho doméstico e por meio de outros decretos decorrentes deste. No entanto, essas iniciativas foram insuficientes para garantirem direitos a essas trabalhadoras na legislação trabalhista. As empregadas domésticas, segundo Melo (1993), iniciaram sua organização como classe trabalhadora no Rio de Janeiro, em 1961, criando, com o incentivo da Igreja Católica, a Associação Profissional dos Empregados Domésticos do Rio de Janeiro. Somente em 1972, o Parlamento Brasileiro aprovou a Lei 5859/72, que garantiu pequenos avanços como a remuneração pelos serviços prestados, 20 dias de férias, benefícios e serviços da seguridade social, direitos estes muito inferiores quando comparados com os trabalhadores de outros setores formais e produtivos. Somente em 1989 as associações das empregadas domésticas começaram a se tornar sindicato.
De acordo com Melo (1993), a luta para garantir os direitos das empregadas domésticas é difícil por vários fatores, dentre eles o medo de perder o emprego, caso reclamem seus direitos, e o fato de trabalharem isoladamente no espaço doméstico possibilitar maior influência das patroas e dificultar a participação em movimentos propostos pela categoria. Bruschini (1994) revela um dado importante: as empregadas nomeadas como mensalistas ou diaristas externas, aquelas que não residem no local de trabalho, são as que menos têm contrato formal de trabalho. São exatamente estas as que têm maiores possibilidades de constituir família e/ou engravidar, por terem uma vida privada garantida fora dos domínios da residência dos patrões.
No início do século XXI, os direitos das empregadas domésticas são garantidos por lei, proposta na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). De acordo com a Constituição Federal[4], e conforme o art. 10 da lei 5.859/72 e art. 30, inciso 1, do decreto 71885/73, “o trabalhador doméstico é aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”. São, portanto, exemplos de empregados domésticos o mordomo, a cozinheira, a faxineira, a babá, o motorista particular. O caseiro do sítio também o é, mas desde que o local seja utilizado apenas para o lazer e não tenha produção a ser comercializada. Neste caso, o trabalhador será regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), devendo ter, obrigatoriamente carteira assinada.
Por lei, portanto, além do salário mensal, nunca inferior ao mínimo nacional, o trabalhador doméstico tem direito a férias remuneradas de 20 dias úteis, anuais, com adicional de um terço do salário, licença maternidade remunerada de 120 dias, décimo-terceiro salário, sendo a primeira parcela paga até o dia 20 de novembro e a segunda, até 20 de dezembro, e aposentadoria, no entanto, as trabalhadoras domésticas, não têm direitos a horas extras, salário família e ao Programa de Integração Social (PIS), nem a adicional noturno, auxílio acidente e seguro-desemprego. A concessão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) não é obrigatória ao empregador. A jornada de trabalho não é definida por lei, não recebe indenização por tempo de serviço, descanso em dias feriados, nem goza estabilidade no emprego, a exceção do período em que se confirmar à gravidez até o quinto mês após o parto.
Da mesma forma que define direitos, a legislação trabalhista também estipula obrigações e concede ao empregador, a possibilidade de descontos por faltas ao serviço - não justificadas ou não autorizadas - e deduções de 6% sobre o salário-base para o vale-transporte, de até 20%, para cobrir despesas com alimentação e de até 25%, para ressarcir gastos com moradia. E ainda, 7%; para despesas com higiene e 22%, com vestuário, além de adiantamentos em dinheiro (vales) e descontos das faltas ao serviço. O uniforme e outros acessórios concedidos pelo empregador e usados no local de trabalho não podem ser descontados. (CE)
As atividades que fazem parte da ocupação das empregadas domésticas estão descritas na CBO[5] (Classificação Brasileira de Ocupações) de 2002, sob o código 5121, e possibilitam a compreensão da complexidade e da intensidade das exigências atuais sobre o seu desempenho. Exigem habilidades de administrar as atividades rotineiras de cuidado da casa, da alimentação e vestuário da família, incluindo mais recentemente como atribuições declaradas nesta classificação a administração que envolve todas as pessoas do espaço doméstico: lembrar os compromissos de cada membro da família, controlar datas de pagamentos de contas, realizar pagamentos e fazer levantamento de necessidades de compra. As exigências estão maiores, porém os avanços sociais dessa categoria são lentos, permanecendo ainda como desvalorizada social e economicamente em comparação com outras categorias profissionais.
É importante demarcar que o serviço doméstico caracteriza-se por três regimes de trabalho: mensalistas residentes, mensalistas não residentes e diaristas e, de acordo com Souza (2002), este serviço não é um meio de ascensão social. É antes uma estratégia de sobrevivência para as camadas mais desprivilegiadas. Os salários são baixos, sendo que 70% recebem até um salário mínimo e 74% não têm contrato formal de trabalho.
A desvalorização do fazer doméstico, um trabalho reprodutivo que não gera um produto final a ser comercializado, atinge nesse início do século XXI, as empregadas domésticas que buscam, desde a década de 1970 no Brasil, a valorização do seu trabalho. Melo (2002) lembra que, nessa época, ao entrar em contato com as empregadas domésticas na Associação da Empregadas Domésticas do Rio de Janeiro, teve uma surpresa ao ouvir que a necessidade maior era a de diminuir o que denominava de ranço da senzala, que vinculava a doméstica à mucama, a escrava que serve. Não se desconsidera o fato histórico que indica, que na época da escravidão brasileira, os escravos homens realizavam tarefas domésticas. No entanto, esse ranço se faz mais presente na contemporaneidade para as mulheres.
Para Saffioti (1992), não é só da força de trabalho, mas também da energia vital de quem o realiza, as empregadas domésticas estão oferecendo, no seu fazer diário, sua força de trabalho e sua energia vital. Quanto maiores as tensões e o desprazer, mais intenso será o desgaste. De acordo com Souza (2002), as domésticas não-residentes possuem uma melhor elaboração de seus direitos, um senso de entitlement[6] mais amplo justamente pela possibilidade maior de trânsito social e independência econômica em relação ao seu companheiro. Quanto aos seus direitos reprodutivos, a concepção limita-se a poder determinar o número de filhos, não atingindo aquelas sobre o domínio do seu corpo, da reprodução e da sexualidade. Pode-se, nesse caso, pensar que “As elaborações culturais a seu respeito se remetem à construção do gênero e mais especificamente aos papéis de esposa e mãe, que são tão básicos para a identidade feminina”.(Souza, 2002, p.69).
Ao mesmo tempo , trazem à tona a complexidade de se alcançar mudanças significativas nas relações de gênero. Para essas mulheres, a reprodução (biológica) é inerente à função feminina e só é possível contorná-la com a ajuda de outras mulheres. Planejar e compartilhar essas situações com os parceiros não é percebido ou visto como possível para elas. A maternidade, para as empregadas domésticas, dá visibilidade à sua vida concreta, sua condição social, sua etnia e seu lugar de mulher numa sociedade que se modifica, mas ainda apresenta, principalmente nas camadas mais pobres, a dominação masculina perpassando a vida destas mulheres de forma a aumentar ainda mais a tensão vivida como trabalhadoras e mães.
Discussão:
Com a análise do conteúdo do discurso, das mulheres empregadas domésticas entrevistadas[7], pretende-se discutir como fica a situação das empregadas domésticas quando estas se apresentam grávidas aos patrões. Há mudanças na condução das tarefas? As patroas permitem ou sugerem modificações nessas atividades em função das mudanças corporais da gravidez? A relação desse fato com o vínculo empregatício se altera, considerando que a forma de vínculo empregatício é um fator social que pode amenizar ou dificultar o processo de gestação?
Considerando-se a precariedade do vínculo empregatício, as condições de trabalho no emprego doméstico e das características do grupo investigado, convém recuperar Melo (1998) quando afirma que:
O serviço doméstico remunerado é um bolsão de ocupação para a mão-de-obra feminina no Brasil, porque constitui culturalmente o lugar da mulher e a execução dessas tarefas não exige nenhuma qualificação. Essa atividade, por isso, é o refúgio dos trabalhadores com baixa escolaridade e sem treinamento na sociedade.(Melo, 1998, p.1).
A trajetória do grupo de mulheres[8] entrevistadas corrobora com que Melo (1998) indica sobre o serviço doméstico. Das cinco mulheres, somente Marlene (31 anos, amasiada, grávida do primeiro filho) completou o ensino fundamental. As demais não ultrapassaram os primeiros cinco anos, são oriundas das camadas menos favorecidas e encontraram no serviço doméstico, uma forma de entrar no mercado de trabalho remunerado. Com exceção de Marlene, que começou a trabalhar com dezenove anos como empregada doméstica, as demais iniciaram como babás, na adolescência. Janete e Lúcia foram as mais novas, tinham doze anos na época. É importante indicar que nas últimas décadas, em toda a América Latina e o Caribe, incluindo o Brasil, as mulheres representam 95% dos trabalhadores domésticos (Melo, id.).
Joana (26 anos, casada, duas filhas), não terá direito à licença maternidade, apesar de trabalhar três dias por semana na mesma residência, fato este que caracteriza vínculo empregatício de acordo com as leis trabalhistas vigentes. Como não possui contrato formal, sua patroa lhe remunera como diarista, sem direito a férias e décimo terceiro salário. Quando a pesquisadora lhe perguntou como ficará sua licença maternidade, ela fala da sua realidade, sem perspectiva de mudanças:
Vai ficar assim mesmo... Não vou receber nada, ainda falei pra ela esses tempo né, pra vê se ela podia me registrar pelo menos uns sete meses né, que diz que com sete meses, mais que seis meses a mulher lá do SUS falou, que a gente tem direito, mas ela achou que não dava. (Joana, 26 anos, casada, duas filhas).
Caso semelhante é o de Maria (22 anos, amasiada, dois filhos), que trabalha como diarista. Quando ficou grávida, sua maior preocupação era a da patroa mandá-la embora, sendo que foi o que aconteceu. Como Maria falou à patroa que, se fosse necessário, assinaria um papel dizendo que se responsabilizava por qualquer coisa que lhe acontecesse, sua patroa (uma professora) procurou-a novamente. Essa mesma patroa conseguiu mais dias de trabalho, nas residências de suas irmãs. Maria trabalha a semana inteira, inclusive aos sábados até às 18:00h, sendo que os dias de limpeza na casa dessas três patroas são fixos. As três mulheres podem ser consideradas das camadas médias, fato esse que não assegurou à Maria o seu direito à licença à maternidade. Na última semana de gravidez, ela estava ciente de que teria que voltar o mais rápido possível ao trabalho:
Não. Isso, pra mim ganhar, então eu tenho que trabalhar, se eu ficar em casa eu perco dinheiro. [E quando você tiver o bebê?] (...) [enfatizou a voz], então eu quero vê se eu paro de trabalhar com uma semana... (Maria, 22 anos, amasiada, dois filhos).
O trecho do discurso de Maria sobre as suas patroas pode corroborar com Giffin (2002) quando essa diz que as mulheres das camadas médias entraram na força de trabalho, em condições e salário melhores. Mas não em eqüidade em relação aos homens da sua classe. Para isso essas mulheres se beneficiaram da farta oferta de trabalhadoras domésticas das camadas populares. Numa explicita exploração intra – gênero sendo que essas se submetem a salários irrisórios e a condições de trabalho sem garantias legais, como o grupo de empregadas domésticas entrevistadas, que não possuem todos os direitos que lhe são cabíveis. Esses elementos dificultadores, aliados ao estigma da desvalorização que acompanha essas atividades domésticas, acabam corroborando para que patroas e empregadas domésticas, de acordo com Melo (1998, p. 3), “participarem de uma relação de identidade mediada pela lógica de servir aos outros como natural”.
A informante Janete trabalha meio período na mesma residência. Janete trabalha com esta família desde 1999 e, naquela época, ganhava um salário mínimo. Foi registrada quando ficou grávida de seu filho que está com três anos. Após a licença maternidade, não retornou ao trabalho. Um ano depois, foi chamada novamente para trabalhar na mesma residência, agora em condições diferentes, por meio período, meio salário mínimo e sem contrato formal de trabalho. Como Janete é uma empregada fixa, seus patrões lhe pagam décimo terceiro, férias e, mais uma vez, registraram o contrato ao serem notificados da gravidez. Contudo, ela tem dúvidas se terá direito à licença maternidade porque foi registrada quando estava com três meses de gestação, assim como fica em dúvida se a patroa tem o direito de descontar do seu pagamento um valor de vinte reais. Expõe essas dúvidas, cogitando, com certo receio, a possibilidade de procurarem seus direitos na justiça do trabalho, e depois não conseguir mais trabalho, pois entrar na justiça, em busca de seus direitos, é significado por Janete como uma certeza de “sujar” o nome.
A situação de Marlene (31 anos, amasiada, grávida do primeiro filho), não é muito diferenciada da história de Janete. Ela trabalha há seis anos na mesma residência e foi registrada em virtude da sua gravidez. Marlene diz que em parte a culpa é sua, pois quando era mais nova ela não queria ser registrada. Muitas mulheres tomam esta atitude com a esperança de arrumar outro tipo de trabalho. Ter na carteira de trabalho, o registro de empregada doméstica, para muitas pode significar uma impossibilidade de mudança. Marlene hoje avalia que deveria ter aceitado. Ela comenta que freqüentemente recebeu, ainda que sem carteira de trabalho assinada, tudo a que tinha direito, férias, décimo terceiro, exceto o fundo de garantia, que é optativo ao patrão.
Marlene atualmente recebe meio salário mínimo, sendo que sua jornada de trabalho perfaz, em média, 57 horas semanais. Ela inicia o trabalho por volta das 8:30h, sai às 18:30h, e o horário de saída no sábado é variável, de acordo com a necessidade da patroa, podendo se estender até as 15:30h. Ela antes recebia um salário mínimo, mas como a família para qual trabalha passou por dificuldades financeiras, seu salário foi reduzido, mas as horas de trabalho não. É preciso considerar que ela relata ter tido muitas perdas em sua vida e como está a seis anos na mesma residência, talvez não queira perder esses vínculos, que podem ser significativos para ela.
Apesar dessas mulheres entrevistadas não terem seus direitos respeitados, elas não demonstram revoltas ou desejo de procurarem seus direitos na justiça. Muitas não os conhecem e entendem que quem luta por eles fica marcado, ou seja, terá dificuldades de encontrar outro emprego. Ficará com a marca de uma pessoa que causa problemas.
Refletir sobre esse receio das empregadas domésticas indica que as mudanças são lentas, são construções de subjetividades construídas em bases históricas, mas as possibilidades de mudanças decorrem do fato de o ser humano não apenas ser constituído pelo meio, mas ser constituinte da sua própria subjetividade. Essas mulheres entrevistadas podem, ainda nas suas trajetórias de vida perceber e significar os seus direitos de forma diferenciada e, porque que não dizer, podem ter consciência do sentido e dos seus direitos à cidadania, incluindo os trabalhistas.
Melo (1998) indica que seria necessário realizar estudos que separassem as empregadas domésticas residentes das mensalistas e diaristas, sendo que as primeiras são encontradas mais em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, como indicam as pesquisas de Azeredo (1989), Preuss (1998), Barbosa (2000), Kofes (2001). No entanto, Melo (1998) acredita que as empregadas domésticas residentes tendem a desaparecer, até mesmo nos grandes centros, havendo uma preferência por mensalistas e diaristas. Essas mudanças podem trazer a profissionalização do serviço doméstico, como indica Melo (1998) que haverá modificações nas relações patroas e empregadas domésticas, tornando-as menos pessoais e sem relações fictícias de parentesco[“é como se fosse minha filha” ou “é como da família para nós”].
Com relação às mulheres pesquisadas é possível refletir que o fato das empregadas não serem residentes, não garante e nem significa necessariamente profissionalização nas relações entre patroas e empregadas. Elas não tinham contrato formal de trabalho, sendo que somente três delas conseguiram a legalização em virtude da gravidez. Efetuar o contrato formal de trabalho, a partir do momento em que as empregadas domésticas ficam grávidas, parece ser um procedimento muito usual no grupo entrevistado. Essa atitude pode ser impulsionada pelo receio de que essas mulheres busquem seus direitos. Então as patroas terão que, não apenas efetivar o contrato formal de trabalho, mas também pagar os direitos até então não assegurados.
Os aparatos legais existem para garantir os direitos dessas mulheres, os avanços ocorrerão da reflexão à ação sobre as relações de gênero, na busca de uma maior eqüidade de direitos sociais, considerando o aspecto econômico que mundialmente demarca as diferenças de gênero.
Conclusão:
A situação trabalhista mostrou-se semelhante ao que indicam os dados oficiais do IBGE e PNAD, que mostram um número elevado de informalidade e desrespeito aos direitos trabalhistas das mulheres que estão nesta ocupação. Houve avanços no decorrer do século passado, mas neste início de século XXI permanecem as desigualdades entre os direitos trabalhistas da categoria de empregados domésticos em relação às demais categorias. Essas diferenças permanecem na legislação, como no caso do Fundo de Garantia que é optativo aos empregadores, bem como em consideração ao contrato formal de trabalho.
Essa situação se apresenta como uma possibilidade de modificação lenta, devido principalmente à situação de exploração que as camadas populares vivem no Brasil. O direito à cidadania não é considerado de forma eqüitativa para todas as camadas sociais. Essas mulheres além de serem prejudicas pelo desrespeito aos seus direitos trabalhistas, não conseguem reivindicá-los judicialmente, por compreenderem que isso poderá prejudicá-las, impedindo o acesso a esse tipo de trabalho. O receio de “sujar o nome”, tem um significado de impossibilidade para futuros ingressos no mercado de trabalho, sendo que esse receio não é destituído de justificativas, principalmente quando diz respeito à ocupação de empregada doméstica, que se baseia numa rede de informações e indicações informais entre patroas e entre empregadas.
Outra informação diz respeito ao fato de que as empregadas domésticas mensalistas externas obtêm o contrato formal a partir do momento que comunicam a gravidez às patroas. As empregadas domésticas diaristas, apesar de viverem uma situação de trabalho que pode ser caracterizada como vínculo empregatício, não conseguem o contrato formal, mesmo quando elas anunciam que estão grávidas. Tal fato torna a condição de trabalho dessas mulheres angustiante, principalmente pelas conseqüências econômicas que poderão intensificar as dificuldades de manutenção das necessidades básicas do grupo familiar. Parar de trabalhar no momento do nascimento do filho significa aumento de despesas e diminuição de renda.
O retorno ao trabalho é uma situação que essas mulheres desejariam adiar, no entanto, quando estão na condição de diarista, a situação é mais agravante, pois as necessidades de sobrevivência do grupo familiar tornam o retorno ao trabalho inquestionável, sendo este mais rápido do que para as mensalistas que conseguem obter a licença maternidade.
No caso da informante Maria (22 anos, amasiada, dois filhos), a sua remuneração representa a maior renda da família. Com seu trabalho em três residências, ela obtém uma remuneração superior ao do seu companheiro, o que tornou o seu retorno ao trabalho mais urgente. Joana (26 anos, casada, duas filhas), também diarista, recebe uma remuneração que é contribuidora no orçamento doméstico. A condição de não pagar aluguel e ser assistida pela rede de parentesco que divide o espaço de moradia foram aspectos facilitadores para que o retorno ao trabalho fosse adiado por dois meses. Por outro lado, foi também um facilitador do seu retorno ao trabalho, porque havia outras mulheres para cuidar da sua filha.
As situações vividas por essas cinco mulheres informantes dessa pesquisa permitem levantar alguns questionamentos quanto à relativização do avanço quanto ao registro formal na última década (1990), pois esses dados podem não considerar o fato de que as empregadas domésticas externas obtenham o contrato formal de trabalho por um período relativamente curto de tempo, ou seja, isso ocorre em função da gravidez. O retorno ao trabalho não é algo que possa ser garantido pelas próprias mulheres, em função da falta de estrutura social para que possam retornar ao trabalho, uma vez que se não houver uma rede de apoio de parentesco ou de vizinhança não há com quem deixar os filhos menores de um ano.
[1] Dados retirados da Folha On-line em julho de 2003, no site: www.folha.uol.com.br/folha/dinheiro; e revisados em janeiro de 2005.
[2]Sentido: é usado enquanto conceito pertinente à teoria de Vygotsky referente ao processo de constituição do sujeito, compreendendo experiências da subjetividade que são sentidas e vividas como íntimas, pessoais e únicas, embora tendo sua origem no contexto histórico e cultural.
[3] O termo gênero, além de um substituto para o termo mulheres, é também utilizado para que qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica o estudo do outro. (...) Além disso, o termo “gênero” também é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar a luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo gênero torna-se uma forma de indicar construções culturais – a criação inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. (Scott, 1990, p.75).
[4] Dados retirados do site: www.prt7.mpt.gov.br em 13 de fevereiro de 2005.
[5] Dados obtidos no site do Ministério do Trabalho e Emprego em janeiro de 2005: www.mtecbo.gov.br/busca.asp
[6] . Não havendo um termo equivalente em português, adota-se o significado atribuído por Souza (2001, p.57): "estar ou sentir-se autorizado a algo independente de legitimação externa".
[7]As empregadas domésticas entrevistadas eram externas, sendo três mensalistas e duas diaristas. Elas identificaram-se como empregadas domésticas, ainda que nenhuma delas tivesse contrato formal de trabalho, sendo que três foram registradas por ocasião da gravidez. As duas diaristas mantinham dias fixos de trabalho e mais de dois dias em cada residência, o que lhes garante vínculo empregatício.
[8] Informantes: Maria, 22 anos, amasiada, dois filhos. Janete, 29 anos, amasiada, dois filhos. Marlene, 31 anos, amasiada, grávida do primeiro filho. Joana, 26 anos, casada, duas filhas. Lúcia, 23 anos, casada, um filho.